Por Doctor Robert
1983 foi um ano em que o Queen resolveu tirar férias. Além do intervalo merecido na rotina de gravações em estúdio e turnês mundiais, o clima entre os membros do grupo não era exatamente o melhor naquele período: no ano anterior, após o fracasso comercial com o álbum “Hot Space”, onde basicamente o vocalista Freddie Mercury forçou a barra para que os demais aceitassem a orientação black/disco, a relação entre eles ficou estremecida, algo que só piorou quando o vocalista se mudou para Munique e passou a ter “companhias indesejadas” ao seu redor (basicamente pessoas interesseiras e viciadas em drogas), numa mudança de comportamento e atitude que desagradou aos demais.
Durante este tempo combinado entre eles para esfriar a cabeça e o clima melhorar, Brian May se encontrava em Los Angeles e após algumas conversas informais com alguns músicos conhecidos que se encontravam na cidade, resolveu reservar dois dias (21 e 22 de abril) no estúdio Record Plant para tocar e gravar com estas pessoas, por puro entretenimento.Um dos convidados era ninguém menos que Eddie Van Halen, conhecido de Brian desde o final da década de 1970, quando o Van Halen era a banda de abertura do Black Sabbath (cujo guitarrista Tony Iommi é amigo de longa data de Brian). Além de Eddie, reuniram-se naquele estúdio o baterista do REO Speedwagon, Alan Gratzer, o baixista Phil Chen e o tecladista Fred Mandel (ambos músicos de estúdio, bastante requisitados).
A primeira ideia de Brian May era a de recriar o tema de um seriado de TV inglês (bastante parecido com aqueles japoneses no estilo “Ultraman”, “Jaspion” e etc.) chamado “Star Fleet”, por sugestão de seu filho Jimmy, que era apaixonado pelo programa. O guitarrista achou interessante transformar o tema, de autoria de Paul Bliss, em um hard rock.
Segue depoimento de Brian, constante na contracapa do trabalho: “Tendo sido introduzido nesta realidade pelo meu filho, fiquei igualmente obcecado com tudo e tive a ideia de fazer uma versão hard rock do tema principal da série. Alguns meses depois, estava em Los Angeles com tempo livre. E descobri que quatro músicos, com quem há muito pretendia tocar, estavam na mesma cidade, à distância de um telefonema. Para minha surpresa, eles adoraram as ideias que eu tinha. Assim, enchi-me de coragem, aluguei um estúdio, e lá fomos nós”.
“Nenhum de nós tinha feito algo do tipo antes – não havia nenhuma companhia por detrás, não haviam planos para lançamento do álbum, não havia nenhuma organização de base a apoiar-nos, só havíamos nós. Tudo por diversão”.
Diversão era a palavra-chave, porém ela parece não transparecer tanto na faixa-título, a primeira a ser gravada. “Em STAR FLEET, gravada no primeiro dia, pode pressentir uma espécie de sensação de alegria nervosa: a nova situação em que nos encontrávamos produziu um estranho e diferente tipo de energia entre nós”, relata Brian. Não exatamente engessados, mas os músicos aqui seguiam alguns arranjos pré-determinados, e iam se soltando aos poucos (a introdução, por exemplo, com os harmônicos característicos de Eddie Van Halen, surgiu no decorrer das gravações).
Mas foram nos outros dois temas, gravados no dia seguinte, é que os músicos começaram a se soltar e a se divertir, em especial os dois gênios das 6 cordas. Sobre elas, Brian diz: “Em LET ME OUT (uma antiga canção da minha autoria que encontrou uma nova vida) e em BLUES BREAKER, que foi puramente espontânea, podemos ouvir um grupo de pessoas muito mais relaxadas, desfrutando a inspiração provocada pelo estilo e técnica de cada um”.
Ainda sobre a faixa “Let Me Out”: “No último solo de LET ME OUT, Edward tortura a corda mais aguda da guitarra até a sua morte audível, e depois percorre as outras cinco cordas com naturalidade. Os outros pormenores eu deixarei para a sua imaginação. Não é difícil perceber quem tocou o quê!”.
Para os fãs dos dois guitarristas, estes se soltam realmente é na longa jam-session chamada de “Blues Breaker”. No mais tradicional estilo de “duelo”, Brian e Eddie desfilam solos e mais solos, e inclusive algumas risadas são ouvidas ao final da gravação – demonstrando o quanto os músicos estavam se divertindo. A curiosidade fica por conta da dedicatória ao ídolo Eric Clapton, que algum tempo depois iria criticar a homenagem, dizendo-se envergonhado com ela: “Aquilo não é blues”.
À época, Brian May não tinha o menor propósito em lançar comercialmente as gravações: “Eu poderia ter mantido as fitas guardadas numa gaveta, como uma gravação privada de uma das melhores experiências da minha vida. Mas as poucas pessoas a quem eu fiz ouvir as fitas imploraram para que fossem lançadas e, na verdade, ficarei muito feliz se outras pessoas conseguirem desfrutar disto da mesma maneira que eu o fiz”.
O guitarrista então se viu convencido pelos pedidos e resolve reunir as canções no formato de um mini-LP, sob o nome de “Star Fleet Project”, com a faixa título e “Let Me Out” formando o Lado A, e “Blues Breaker” ocupando o Lado B, como uma maneira de Brian desafiar o velho padrão das gravadoras de lançar apenas compactos e LPs. Convidou o alemão Reinhold Mack (então produtor do Queen) para mixar as gravações, e o velho amigo e parceiro de banda Roger Taylor para incluir alguns backing vocals em “Star Fleet”, com os devidos créditos: “Tentei moldar STAR FLEET em algo semelhante a um “álbum convencional”. Agradeço ao Roger pela ajuda que me deu nos vocais dos coros. Mas acabei por não mexer em nada mais da gravação original. O resto é apenas uma mixagem nua e crua”. E no final, Brian agradecia e recomendava: “Obrigado! Desfrutem disto!”.
“Star Fleet Project” permanece até hoje como um artigo raro, de colecionador. Foi lançado oficialmente apenas na época, em vinil, tendo suas músicas relançadas como faixa-bônus em duas ocasiões, cerca de uma década depois: primeiramente junto ao single de “Back To The Light”, faixa título do álbum solo que Brian May lançaria em 1992, e depois como partes integrantes do mini-álbum japonês “Ressurection”, lançado no ano seguinte.
Se não há nada de grandioso, vale pela curiosidade e pela raridade de ver Brian May e Eddie Van Halen, dois dos maiores guitarristas da história do rock, reunidos e se divertindo.
Faixas:
1. “Star Fleet” (Bliss/arr. May) 8:04
2. “Let Me Out” (May) 7:13
3. “Blues Breaker” (May/Van Halen/Gratzer/Chen/Mandel) 12:41
Produzido por Brian May – Mixado por Mack
Músicos:
• Brian May – guitarra, vocal
• Eddie Van Halen – guitarra, backing vocals
• Alan Gratzer – bateria
• Phil Chen – baixo
• Fred Mandel – teclados
• Roger Taylor – backing vocals em “Star Fleet”