A Night At The Opera: O Queen se torna uma lenda

Por Eduardo Pereira

A Night At The Opera: o Queen se torna uma lenda. Chega uma hora, para toda boa banda de rock’n’roll, em que os integrantes parecem passar por um surto de inspiração, quando a produção criativa chega ao seu auge. Nesse momento, a banda lança um álbum que muda para sempre a sua história. O Pink Floyd tem o The Wall. Os Beatles têm o White Album. O Nirvana tem o Nevermind. Nesse caso, a obra-prima, o álbum dos álbuns do Queen é o A Night At The Opera, lançado no final de 1975.

Voltemos ao início dos anos 70, para o início da carreira da Rainha. Com três álbuns no mercado e já possuidora de um dos muitos hits mundiais que viriam a seguir (Killer Queen, do Sheer Heart Attack), o Queen aparecia como uma banda de hard rock um pouco diferente das demais. Esse “um pouco diferente” significa, principalmente, a incorporação de diversos gêneros ao rock pesado. No A Night At The Opera, essa característica fica mais evidente: uma pitada de pop, valsa, vaudeville, instrumentos musicais exóticos, riffs poderosos e, é lógico, a fusão perfeita da pauleira do hard/glam rock com as vocalizações complexas típicas da ópera, acrescidas de um árduo trabalho de estúdio (e tudo isso, como constava na contracapa, “sem sintetizadores”), criaram a sonoridade que seria “a cara” do Queen e a característica mais marcante do disco: o ecletismo. Eles finalmente acharam “o seu som”.

A Night At The Opera é um disco grandioso em muitos sentidos. Como eles eram o Queen e não uma banda qualquer, eles gravaram cada instrumento em estúdios separados, para depois, na edição final, reunir todos as fitas de gravação: “Não é paranoia, é perfeccionismo!”, dizia Freddie Mercury na época da gravações. Perfeccionismo levado ao extremo: cada nota do álbum foi tocada por cada um dos integrantes e mixada no estúdio dezenas de vezes até se chegar no resultado esperado. Em alguns dias, permaneciam dez horas seguidas trabalhando no álbum. Só a música Bohemian Rhapsody, por exemplo, demorou quase um mês para ser finalizada! Sem falar que tanta megalomania teve um preço altíssimo a ser bancado pela gravadora: A Night At The Opera custou à EMI 40 mil libras, um dos custos mais altos da história.

Esse era o momento crucial na carreira de Freddie, Brian, John e Roger: era tudo ou nada, tinha que dar certo. E deu. Uma vez lançado, A Night At The Opera se tornou um sucesso imediato, vendendo milhões de cópias (principalmente no Japão, no Reino Unido e outros países europeus). Passou quatro meses em primeiro lugar entre os mais vendidos na terra do chá das cinco e também impulsionou a venda dos três discos anteriores (Queen, Queen II e Sheer Heart Attack). No decorrer de 1976, o Queen tinha quatro álbuns entre os 20 mais vendidos, um resultado impressionante. Eles finalmente tinham chegado ao estrelato. Eles eram a rainha do rock britânico.

Dois outros elementos do álbum que não devem ser ignorados são a capa e o nome. A capa foi desenhada por Freddie Mercury, que era formado em artes visuais. Ao lado de um “Q” estilizado, estão dois leões, que representam os signos de Roger Taylor e de John Deacon. À frente, duas fadas (uma rosa e uma verde) representam o signo do próprio Freddie (virgem). Acima, um caranguejo representa câncer, o signo de Brian May. Atrás, abrindo suas asas sobre os leões, as fadas e o caranguejo, está uma imponente fênix, a famosa ave mitológica que morre em chamas e depois renasce das própriam cinzas, metaforizando a eternidade da banda. Já o nome surgiu por acaso, pois os integrantes um dia assistiam a um filme dos irmãos Marx chamado A Night At The Opera e pensaram “Que nome ótimo para um disco!”, já que se encaixava com a estética das músicas que eles estavam criando.

O álbum é composto por doze músicas, sete delas do lado A e outras cinco no lado B (Ah, os tempos do velho e clássico vinil…). Então vamos à elas!

A Night At The Opera começa com o piano de Freddie, seguido do riff de guitarra do Brian (que na verdade foi composto pelo Freddie mesmo). Trata-se de Death On Two Legs (Dedicated To…). Qual a diferença entre uma pessoa comum e um artista? Uma pessoa comum simplesmente passa pela vida, enquanto que um artista a registra e eterniza. Nesse caso, teria sido mais fácil ter mandado Jack Nelson, o empresário pilantra que surrupiava o dinheiro da banda (prestem atenção no subtítulo: “dedicated to…”) ir para a puta que o pariu e pronto, mas só isso seria muito fácil. Freddie preferiu compor esse hard rock maravilhoso e cruel, onde só faltou mesmo ele dizer “Vai te fuder!”, assim, com todas as letras. Adoro a parte em que cantam “Feel good? Are you satisfied? Do you feel like suicide? (I think you should!)”. Ótima música para abrir o álbum.

A obra prossegue com Lazing On A Sunday Afternoon, onde um “rapaz comum de Londres” narra sua rotina semanal. O que se destaca nessa música é o solo de guitarra, que é o mais marcante do disco e um dos meus favoritos de toda a obra do Queen (mas eu gosto mais dos solos de Bohemian Rhapsody e We Will Rock You). Simplesmente uma ótima música.

Na terceira faixa, encontramos Roger Taylor gritando o amor de “alguém” por seu carro. Muito pertinente aqui o comentário de Brian May: “Ele [Roger] disse que escreveu I’m In Love With My Car pensando em outra pessoa, mas nós dois sabemos a verdade, né, Rog!?”. É fato que a paixão de Roger Taylor por carros nunca passou despercebida por ninguém que acompanhou o grupo, mas independentemente disso, essa é uma das minhas músicas favoritas do Queen. Altamente recomendada para os bateristas iniciantes em busca de inspiração. Quantas pessoas nessa Terra conseguem tocar bateria e cantar ao mesmo tempo?

Eu fico muito mordido quando alguém se refere ao Queen como “a banda do Freddie Mercury”, como se os demais não tivessem importância e fossem só a bandinha de apoio dele. Todos os quatro contribuíram decisivamente para a criação da estética do grupo. Aliás, até o baixista, John Deacon, o carinha tímido e caladão, era fundamental. E eis que um dia ele chega com a letra de You’re My Best Friend, canção dedicada a sua esposa, que o grupo aprova e grava. Sucesso imediato: You’re My Best Friend foi, depois de Bohemian Rhapsody, o grande destaque do álbum; foi a música do álbum que foi mais bem aceita nos EUA (que sempre foi pouco receptiva à sonoridade da Rainha) e se tornou um clássico na Inglaterra e em vários outros países da Europa Ocidental. “E eu quero que tu saibas que meus sentimentos são verdadeiros / Eu realmente te amo”… Uma música apaixonada e apaixonante, perfeita para se tornar um sucesso das rádios, como de fato foi.
E que música linda! São maravilhosos os backing vocals desse música “Still come back to yououououou, girl!”… Me arrepio quando o Freddie canta “I realy looooooove the things that you do”. Antológica. Perfeita.

Existem certas músicas do Queen que eu não entendo porque não se tornaram hits logo de cara. Uma delas é ’39, esse folk rock composto por Brian May, que é uma canção magnífica, em todos os sentidos. Num primeiro momento, achei complicado entender o sentido dessa música, mas pesquisando um pouco, verifiquei que se tratava de uma viagem exploratória espaço-temporal. Como assim? Primeiro, temos que entender uma das consequências da Teoria da Relatividade Geral de Einstein. A percepção do tempo é inversamente proporcional à velocidade de delocamento de um corpo: quanto mais rápido um corpo se movimenta no espaço, mais lentamente o tempo passa para esse corpo. Depois, temos que lembrar que Brian May é formado em astronomia e está familiarizado com tal teoria. Então, segundo o próprio Brian, ’39 narra uma viagem que durou muitos anos (“Daqui o navio partiu (…) e por muitos dias aquelas bravas almas nevagaram pelos mares”). Só que os “mares” a que Brian se refere são o próprio espaço e o “navio” é uma nave, viajando próximo à velocidade da luz. Como os viajantes estavam à velocidade da luz, para eles passou apenas um ano, enquanto na Terra muitos e muitos anos correram, como efeito da dilatação do tempo (“Tantos anos se passaram, embora eu esteja mais velho não mais que um ano”). E ao chegar na Terra, viram que o passar do tempo mudou toda a realidade que os viajantes conheciam e veio então o desespero de saber que o que era no passado não é mais nessa “terra que nossos netos conheceram, pois a terra está velha e cinza”. E do desespero, veio a angústia (“Minha querida, nós vamos embora! Mas meu amor, isso não pode ser! Minha vida daqui para a frente me dá pena…”). Independentemente do significado bizarro dessa letra de ficção científica, que músicas sensacional! Eu não sei o que é melhor, se é a letra, se é o violão do Brian ou se é o Roger tocando o bumbo da bateria com os pés, tocando pandeiro e cantando aquelas notas altíssimas, tudo ao mesmo tempo… Tudo nessa música é espetacular.

O disco prossegue com Sweet Lady, uma das mais fracas do álbum, mas que não deixa de ser um hard rock muito maldito mesmo assim. Acho engraçada a letra, que expressa claramente o horror que nós homens temos de nos tornar o capacho de nossas namoradas. Essa música, que segue a linha do rock mais convencional, parece ter sido criada exatamente para se tornar um hit das rádios. Aqui, o destaque fica para os riffs malditos do Brian May.

Com Seaside Rendezvous acaba o lado A, o lado mais “pop” do álbum, digamos assim. Nessa curta canção vemos o auge da influência do vaudeville nas obras do Queen, já marcante em Lazing On A Sanday Afternoon e em Bring Back That Leroy Brown (do Sheer Heart Attack). O vaudeville era um genêro de entretenimento popular nos início do século XX, que misturava a comédia, o teatro e a música, de modo similar a um circo. Seaside Rendezvous tenta resgatar a felicidade da Inglaterra dos anos 20, quando tudo parecia belo, alegre e estável e os casais apaixonados iam passar férias românticas no Mediterrâneo (até esse sonho ser destruído pela crise de 1929, pela Depressão e pela Segunda Guerra Mundial), bem como a “música-irmã” Lazing On A Sunday Afternoon. Ela até possui ares de simplicidade, com Freddie e Roger fazendo os efeitos sonoros com as palmas das mãos e com a boca ou com objetos banais, como talheres batendo em uma mesa. É uma música gostosa de ouvir, bem-feita, divertida. Só critico o mau-uso que é feito da língua francesa nessa música, em duas situações: rendez-vous (“compromisso” ou “encontro”) se escreve separado e com hífen; e no trecho “So très charmant my dear” é estranha a presença da palavra très, (“muito”, em francês) pois o entendimento que fica é “Tão muito charmoso, meu caro”.

Então a agulha levanta e viramos o bolachão para podermos ouvir as cinco últimas músicas do lado B, onde estão as canções “menos comerciais” e “mais experimentais” do álbum.

O barulho do vento e o dedilhar de Brian em um koto (instrumento típico japonês) de brinquedo dão início a The Prophet’s Song, que com seus mais de oito minutos aparece como a música mais longa da carreira do Queen. Brian May afirma ter sido inspirado por um sonho, onde um profeta vinha à Terra para falar com a Humanidade. E a letra expressa exatamente isso: “Eu sonhei que vi numa escada enluarada…”. Talvez por isso a música pareça ser bem sem-noção, em um primeiro momento. Mas olhando com mais atenção, nós conseguimos ver na narrativa Noé, Jesus e um eu-lírico que fica na dúvida se acredita ou não no que o profeta (o “louco”) tem a dizer. Heresia? Não sei, mas é fato que as inúmeras referências bíblicas presentes não agradaram a muitos, na época. Mas The Prophet’s Song é mesmo assim exepcional, seja pela letra (“Deus deu a vocês a graça para purificar este lugar / E a paz em toda parte pode ser a fortuna de vocês / Oh! Filhos da Terra / O amor ainda é a resposta…”), seja pelos vocais ou pela complexidade com que foi produzida. Aqui, a ópera se encontra e se encaixa perfeitamente com o rock progressivo, de forma similar ao que acontece com a ópera e o hard rock em Bohemian Rhapsody. Aliás, elas parecem ser “canções-irmãs”: apesar de serem bem diferentes uma da outra, elas parecem ter uma essência comum. Me arrisco a dizer que se Bohemian Rhapsody não tivesse saído do papel, The Prophet’s Song teria sido tudo o que Bo Rhap foi para a carreira da Rainha. Apesar de ter ficado esquecida no álbum, The Prophet’s Song é uma das melhores músicas do Queen. Se não parou para ouvir com atenção, faça isso.

Pianos e harpas precedem Freddie Mercury cantando os versos iniciais de Love Of My Life, essa canção de derreter corações apaixonados partidos ao meio… Por mais emocionante que seja essa música, ela passou despercebida pelo público em 1975. Love Of My Life só veio a se tornar um clássico quando foi lançada a versão ao vivo no álbum Live Killers (1979) e quando atingiu o topo das paradas na Argentina e no Brasil, em 1980. Ela nunca chamou a atenção do público europeu do mesmo jeito do público sul-americano, por algum raio de motivo. Talvez ela tenha sido considerada brega demais ou piegas demais, o que de fato ela é. Mas não importa, que música linda! O destaque fica para o piano e as harpas, que lhe dão ares de música clássica; e para o fato do ouvinte conseguir sentir a decepção e a dor na voz de Freddie. Mas de onde Freddie tirou tanta dor de cotovelo? No início dos anos 70, Freddie namorou vários anos com uma moça inglesa chamada Mary Austin e, como a música sugere, o relacionamento não deu mais certo e eles terminaram, causando todo o sofrimento que nós o ouvimos cantar. Refletir sobre isso nos leva inevitalvemente a um assunto polêmico: Freddie não era gay? Ao que tudo indica, ele sentia atração pelos dois sexos: era bissexual. E de um jeito ou de outro, Mary Austin era o amor da vida dele, tanto que eles continuaram amigos até o fim e quando ele morreu, Freddie deixou toda sua fortuna para ela. Mas a arte e a veracidade dos sentimentos que Love Of My Life expressam importam muito mais que a orientação sexual do compositor. É um clássico e é eterna.

Em Good Company ouvimos Brian May cantando e tocando ukulele, um instrumento de cordas típico dos polinésios havaianos. Essa é a música mais fraca do álbum, apesar da sua letra muito bem feita de solidão e nostalgia. Mesmo não obtendo muita visibilidade, Good Company merece ser ouvida com atenção: é uma das músicas mais complexas e um orgulho para Brian. Sabe os instrumentos de sopro e os sinos da música? Não são instrumentos de sopro nem sinos, esses sons foram reproduzidos por May em sua guitarra, o que mais uma vez demostra a incrível habilidade do “poder por trás do trono da rainha”, como se referiu um jornal britânico, na época.

A Night At The Opera poderia ter se encerrado aqui mesmo e mesmo assim já seria um álbum excelente. Mas Good Company acaba e eis que ouvimos um coro a capella cantar “Is this the real life? Is this just fantasy?”. É ela. A música das músicas, o clássico dos clássicos, a joia da coroa da Rainha. Senhoras e senhores, Bohemian Rhapsody.

Bohemian Rhapsody é o tipo de música que se ouve na primeira vez e ficam aquelas perguntas na cabeça: O que é isso? De onde veio essa ideia? O que raio a letra quer dizer? Como é que essa música é possível? Vou te poupar, leitor, de qualquer outro comentário meu sobre essa música, porque soaria extremamente clichê e repetitivo. Só saibam que é a minha música preferida de todas as que já ouvi (e provavelmente de todas as que ouvirei).

Então, vamos direto à questão polêmica: qual o significado de Bohemian Rhapsody? Afinal, o que a letra quer realmente dizer? Muito já foi dito nesses quase quarenta anos. Alguns intérpretes afirmam que Bo Rhap é uma alegoria para o sofrimento que Freddie sentia ao ter de esconder sua homo/bi sexualidade. Mas não dizem o mesmo de I Want To Break Free, sendo que foi escrita por John Deacon, um homem hétero e muito bem casado? Acho bem pouco provável a “teoria Freddie no armário”. Já outras mentes pouco criativas afirmam que a letra não significa nada, só foi criada para se encaixar na música. Acredito que não seja o caso, já que a letra, ainda pouco desenvolvida, já existia bem antes inclusive do Queen existir. Eu ofereço a vocês aqui uma via alternativa: BOHEMIAN RHAPSODY NARRA UM CRIME PASSIONAL.

Tendo em vista que Freddie se considerava “um verdadeiro romântico”, acredito há fundamento para a minha teoria. Se nós prestarmos atenção na letra, poderemos ver que Bohemian Rhapsody narra um crime e um motivo; a culpa, um julgamento, uma condenação, uma despedida e uma execução. Só é difícil ver um sentido porque os fatos não estão em ordem cronológica, com início da narrativa no começo e prosseguindo em ordem lógica pelo meio até o fim; os acontecimentos narrados estão misturados no desenrolar da música (afinal, não é uma narrativa comum, é uma rapsódia).

É óbvio que há um crime no enredo: “Mama… Acabei de matar um homem / Pus uma arma contra sua cabeça / Puxei o gatilho, agora ele está morto”. Mas o que teria motivado o assassinato? “Então tu achas que podes me apedrejar e cuspir em meu olho? / Então tu achas que podes me amar e me deixar morrer? / Oh, baby! Tu não podes fazer isso comigo, baby!”. Parece que um relacionamento amoroso que não deu muito certo foi o estopim para o crime. E lembrem-se que esse é o trecho hard rock da música, que é cantado em um nítido tom de raiva. O eu-lírico matou sua paquera a queima-roupa. E o que fazer depois de consumado o ato? Abandonar a cena do crime, é claro: “Só tenho que sair / Só tenho que sair logo daqui”. Mas teria sido uma atitude premeditada? Acredito que não: “Mama… A vida acabou de começar / Mas agora eu joguei tudo fora / Mama, oh… / Não foi minha intenção te fazer chorar / Se eu não estiver de volta a esta hora amanhã”. Esses versos demonstram um sentimento traiçoeiro: a culpa. Não foi um crime premeditado, quem planeja um assassinato não sente remorso logo depois. Foi uma “burrada” que o eu-lírico fez “no calor do momento”, digamos assim.

Se foi um assassinato qualificado ou não, pouco importa: o eu-lírico cometeu um crime e terá que responder por seus atos. Então ele se despede (“Adeus a todos, eu tenho que ir”) e “deixa todos para trás para encarar a verdade”, ou seja, ele será julgado e ele sabe o destino que o aguarda (“Mama, oh… Eu não quero morrer”). A parte balada da música toda expressa a culpa por ter cometido um assassinato (“Isso é vida real? / Isso é só fantasia? / Pego num desmoronamento”) e o medo das consequências (“Não há escapatória da realidade / Às vezes eu desejo nunca ter nascido para tudo isso”). Por isso é tão deprimente.

Agora está na hora de arcar com as consequências, é hora do julgamento. O eu-lírico afirma “Eu sou um pobre garoto e ninguém me ama”, enquanto os advogados começam sua tese de defesa “Ele é só um pobre garoto vindo de uma pobre família / Poupe-o de sua vida e dessa monstruosidade”. Ele indaga “Fácil vim, fácil vou, vocês me deixarão ir?”. A promotoria é incisiva “Em nome de Deus! Não! Nós não te deixaremos ir!”. A defesa apela “Deixe-o ir!”. A promotoria responde “Em nome de Deus! Não! Nós não te deixaremos ir!” e a defesa mais uma vez pede “Deixe-o ir!”. Finalmente o eu-lírico implora “Let me go!”, mas a promotoria novamente nega “Nós nunca te deixaremos ir”. E finalmente o eu-lírico chega à conclusão desesperadora “Nunca me deixarão ir”. A promotoria responde contundentemente: “Não! Não! Não! Não! Não! Não!”. Notem a presença das expressões “bismillah” (“em nome de Deus”, em árabe), “belzebu” e “diabo”. Recorrer a Deus significa, metaforicamente, a absolvição, o perdão. Já o diabo representa alegoricamente a condenação e a perdição (aqui vemos que as pessoas que viam mensagens subliminares satânicas na letra são completamente bitoladas). Mas não teve jeito: “Tem um diabo reservado para mim / Para mim! / Para mim!”. Ou seja, ele foi julgado e considerado culpado e foi condenado (acredito que a sua pena tenha sido a morte).

Agora só resta ao pobre garoto se despedir deprimentemente dessa vida “Nada realmente importa / Qualquer um pode ver / Nada realmente importa / Nada realmente importa para mim”. Ele vai foi condenado à morte, então para que esperanças? Porque ele é um pobre garoto e não precisa da compaixão de ninguém, porque fácil do jeito que ele veio ele se vai e “De qualquer jeito o vento sopra…”. O verso final é o eu-lírico sendo executado, uma espécie de despedida final, as suas últimas palavras. Aliás, os versos “Abra teus olhos / Olhe para os céus e veja / Que fácil vim e fácil vou / E de qualquer jeito o vento sopra” não parecem muito com um epitáfio?

Então, vemos que o personagem cometeu um crime, foi julgado, condenado e executado e que Bohemian Rhapsody retratata os mais variados sentimentos decorrentes desses fatos: raiva, medo, culpa, desespero… Os acontecimentos estão todos aí, encadeados uns com os outros de forma não convencional.

E após tanto sofriemento, o disco encerra com a instrumental God Save The Queen, onde Brian simula, mais uma vez, os sons dos instumentos de sopro com a guitarra. Finalizar um álbum de rock com o hino nacional a Inglaterra? Bom, o Queen sempre foi chegado a esquisitices. E daí em diante, essa seria a música para encerrar os seus shows, a música de despedida. Aliás, há um duplo sentido óbvio aí: Deus salve a Rainha, Deus salve o Queen…

E o que concluir de tudo isso isso? O mesmo que muitos antes de mim já haviam concluído: é um álbum excelente, muito bem-feito, criativo, maravilhoso. Um clássico do rock britânico. Uma joia da terra da Rainha. Enfim… Depois de ler tudo isso, pegue o teu A Night At The Opera e coloque para tocar mais uma vez. Ouça. Aprecie. Sinta. E vida longa à Rainha!

A NIGHT AT THE OPERA
Artista: Queen
Gravadora: EMI
Produção: Roy Thomas Baker e Queen
Lançamento: 21 de novembro de 1975

Músicas:

Lado A:
1. Death On Two Legs (Dedicated To…)
2. Lazing On A Sunday Afternoon
3. I’m In Love With My Car
4. You’re My Best Friend
5. ’39
6. Sweet Lady
7. Seaside Rendezvous

Lado B:

8. The Prophet’s Song
9. Love Of My Life
10. Good Company
11. Bohemian Rhapsody
12. God Save The Queen

 

Fonte: http://whiplash.net

Alexandre Portela

Fã do Queen desde 1991. Amante, fascinado pela banda e seus integrantes. Principalmente Freddie! =)

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