“Ele tinha um apetite inesgotável”, diziam os amigos. Para o vocalista dos Queen não havia limites para o prazer. A promiscuidade e a generosidade de um homem que se dizia só. Texto de Luís Guerra .
Os amigos já sabiam, o meio artístico já suspeitava. Mas o resto do mundo foi apanhado de surpresa: a 23 de Novembro de 1991 Freddie Mercury revelava, por fim, que estava a morrer de Sida. Um dia depois, falecia no quarto da sua mansão de Kensington, não resistindo a uma bronco-pneumonia.
Ao longo da maior parte da sua vida, Freddie Mercury vestiu a pele de estrela rock. Fora dos palcos, viveu uma vida de extravagâncias sem limites. A homossexualidade do cantor era conhecida no meio, mas durante sete anos Freddie viveu com uma mulher, Mary Austin, que conheceu ainda antes de os Queen chegarem à ribalta. A ruptura entre os dois dá-se no final dos anos 70, quando Freddie, incapaz de suster o segredo, lhe revela: “sou bissexual”. A namorada corrigiu-o: “não, és homossexual”. Austin manteve-se próxima de Mercury até ao fim da vida deste e herdou a maior parte da fortuna do artista.
A lista de namorados de Freddie era, segundo os amigos, um inventário em permanente actualização. No documentário Freddie’s Loves , exibido por um canal televisivo inglês em 2004, antigos parceiros sexuais puseram a nu pormenores íntimos da vida do vocalista dos Queen. Freddie fazia rodear-se permanentemente de ex-namorados, que praticamente viviam em sua casa e a quem apelidava de nomes femininos como Sophie ou Phoebe. Os quase 30 quartos da manhão de Kensington acolhia um jardineiro (na verdade, o cabeleireiro Jim Hutton, último namorado de Freddie), assistentes pessoais (creditados mesmo em álbuns dos Queen), um cozinheiro (mais um ex-amante, o americano Joe Vanelli) e figuras pitorescas como um transformista negro (apelidado de Black Bitch) e Peter Straker, um histriónico cantor de musicais (o melhor amigo do cantor). Mary Austin, a namorada “enganada”, era uma espécie de enfermeira e tê-lo-á ajudado, em 1982, a livrar-se da teia do LSD e da heroína. Todos os elementos da “família” tinham uma função e, alguns deles, estiveram com o cantor, quase moribundo, no momento da sua morte.
Este apetite “caseiro” (descrito pela imprensa como “reclusão” e que Mercury comparou à abstinência de uma “freira”) surge imediatamente a seguir a Freddie ter tomado conhecimento da sua condição. Em 1987, Freddie descobre que dois homens com quem manteve casos amorosos haviam falecido, vítimas de Sida. Os jornais não tardam em colocá-lo em papel. Em Mercury & Me , Jim Hutton recorda o processo: “Normalmente, Freddie teria ignorado qualquer especulação da imprensa, mas aquilo parecia ter mexido com ele. Quando nos conhecemos, ele já tinha tido a sua dose de viver na alta roda. Sexo, drogas e rock’n’roll com uma quantidade de estranhos de uma noite só”. As análises clínicas confirmariam o pior.
No início dos anos 80 – com a descoberta dos clubes nova-iorquinos e a mudança para Munique -, Freddie encontrou uma base para dar largas à sua extravagância. “O excesso é parte da minha natureza. Preciso de perigo e excitação”, cita o Mirror em 1991. Mas Mercury não conseguia manter uma relação por muito tempo e procurava, sobretudo, companheiros de uma só noite, a quem agradecia (pagava?) com um relógio Cartier. A vida sexual de Mercury era uma roleta russa: “Já tentei os dois lados – homens e mulheres. Mas deu tudo errado. Os “one-night stands” sou eu a desempenhar um papel. Posso ser um bom amante, mas não sou um bom companheiro para ninguém”.
O lado selvagem de Mercury era dominante na sua personalidade. “Estou atolado em dinheiro. É vulgar mas maravilhoso. Tudo o que quero da vida é ganhar dinheiro e gastá-lo”, cita o The Sun. E era imperioso gastá-lo em grande estilo, mesmo que para isso fosse preciso fretar um avião Concorde para atravessar o Atlântico e recrutar um “catering” de cocaína para servir os amigos. Os seus amantes mais duradouros foram agraciados com carros, diamantes e dinheiro. Mas, como nos piores contos de fadas, o lado glamoroso não bastava: “a fama e o sucesso deram-me tudo excepto uma relação amorosa permanente. Eu devoro as pessoas e pareço destruí-las. Às vezes acordo com suores frios, com medo de morrer sozinho”.
Artigo de Luís Guerra, publicado originalmente na BLITZ nº 20