Jazz: Entre Viagens Espaço-Temporais e Odes à Liberdade – Por Renato Gurgel

Se você nunca ouviu o álbum Jazz do Queen, dê-se essa chance. Se já ouviu, dê-se essa outra oportunidade. Agora, contudo, coloque um fone de ouvido e concentre-se. Dê play e ouça a voz de Freddie invadir seus ouvidos cantando: Ibrahim, Ibrahim, Ibrahim. Alah Alah Alah Alah, we’ll pray for You! É como uma viagem espaço-temporal. É como se estivéssemos em um deserto, ao pôr do sol, e um cantor entoasse os cânticos de adoração a Alah! O vento morno do deserto beijando-lhe o rosto e uma sensação de elevação moral e espiritual. Depois, um Hey! e somos catapultados às ruas da antiga Pérsia, vendo o comércio e vivendo cenas inusitadas numa era longínqua. E de repente, como se tirássemos algodão dos ouvidos, a guitarra de Brian nos joga contra a parede, e vem um som estéreo que dá vontade de levantar e sair dançando no meio dos persas, vivendo a vida, celebrando e rindo, e vivendo de modo grandioso.

 

 

Para uma banda de rock conhecida por nos brindar com primeiras músicas de álbum (continuo pensando que a primeira música é muito importante, é a abertura de um concerto, são as primeiras páginas de um livro que podem se abrir mil possibilidades), como Keep Yourself Alive, Death on Two Legs, Tie Your Mother Down e We Will Rock You, abrir com uma música cujo estilo em nada se relaciona com o jazz (a capa deve ter pego muita gente desprevenida pelo mundo afora) é muito a cara deles. Isso mostra que eles realmente não tinham medo da crítica e não se opunham a inovar.

Para mim, Mustapha é uma das músicas mais ricas do Queen. Ela nos apresenta tantos aspectos culturais e espirituais (o Queen já havia abordado temas religiosos com Jesus, Mad The Swine e Liar no primeiro álbum da banda) em uma só canção. E claramente é uma canção de Freddie, pois ele sempre foi o que mais experimentou (vale lembrar de My Fairy King, The Fairy Feller Master-Stroke, In The Lap Of The Gods, Seaside Rendezvous e Get Down, Make Love) com suas canções até então, e talvez traga muito de sua origem persa.

Vale ressaltar que, para mim, este é um álbum mais simples e direto do Queen. Sem tantas extravagâncias de harmonias vocais ou exageros de solos, mas com músicas que inspiram. Não digo que seja um álbum ruim, muito, mas muito longe disso. É, para mim, como fã, um álbum que divide um pouco o Queen, preparando-o para uma nova era de álbuns e sons.

Jazz teve grandes hits, como a dupla Fat Bottomed Girls (de Brian) e Bicycle Race (de Freddie), onde há referências cruzadas em ambas as canções (Fat bottomed girls, you make the rocking world go ‘round / Get on your bikes and ride & Bicycle races are coming your way / So forget all your duties, oh yeah / Fat bottomed girls, they’ll be riding today). Praticamente um crossover de canções. Ambas são rocks que valem a pena ouvir e divertem. Entretenimento de alta qualidade. As duas músicas são fantásticas, e Fat Bottomed Girls é perfeita ao vivo.

 

 

 

Outra canção que traz referências cruzadas, mas dessa vez explicitamente, é a ótima More Of That Jazz (trechos de canções do álbum são repetidos na canção), com Roger nos vocais. Particularmente, eu gosto muito dessa canção. Roger novamente traz uma crítica relacionada à vida, assim como fez em Fight From The Inside, só que menos ácida, mas clara na música. Ele reclama da vida cansativa e monótona. Talvez o título seja um grande Enfim, acabou a gravação desse álbum. Particularmente gosto da linha que ele fala que o que realmente anima e chega a trazer um pouco de emoção é o futebol (Only football gives us thrills / Rock ‘n roll just pays the bills). Anos depois ele gravou uma música com Petr Cech, goleiro do Chelsea, time que ele torce – That’s Football.

 

 

 

O álbum, além das grandes músicas que se tornaram hits mundiais, apresenta algumas canções que não conseguem empolgar tanto, como If You Can’t Beat Them (que conta com um excelente solo de Brian) e Fun It. Além disso, temos duas canções de um pop meloso, como Jealousy (onde Freddie expressa extremo amor e arrependimento) e In Only Seven Days (onde John explora a ideia de um amor juvenil e frívolo). Essas músicas serviram, assim como as outras, como recheio, sem muito apelo.

 

 

 

 

Brian mais uma vez traz o drama das relações com a bela Leaving Home Ain’t Easy. Mesmo para quem nunca passou por uma separação (acho difícil que isso tenha acontecido), a música toca fundo na alma, retratando o sofrimento de ambos os lados da separação. É daquelas músicas que nos jogam no fundo do poço ou nos fazem acordar de ressaca em um bar de hotel, com a garrafa de uísque vazia (Bon Jovi passou rapidamente pela minha mente).

Well this hotel bar’s hangover whiskey’s gone dry (Bem, o uísque de ressaca deste bar de hotel secou) – Trecho da música Bed of Roses – Álbum Keep the Faith – Bon Jovi – 1992)

 

 

Brian também nos presenteia com outra canção, esta com uma batida jazzística, chamada Dreamer’s Ball. Um jazz no melhor estilo de Nova Orleans, que narra um eu lírico que perde um grande amor e se consola ao sonhar com sua amada no baile dos sonhadores. A versão ao vivo de Dreamer’s Ball em Paris, em 1979, é uma das melhores, na minha opinião.

 

 

 

Os contrapontos nas composições de May e Mercury no álbum são Dead On Time e Let Me Entertain You, respectivamente. São duas músicas com uma pegada bem rock’n’roll, entregando agitação e animação. Brian fala sobre uma vida que não para, onde não há tempo para nada, e que é preciso correr e correr (atrás da cenoura). Isso me faz lembrar do Coelho Branco de Alice no País das Maravilhas (ele usa um relógio gigante e está sempre com pressa para chegar a algum lugar).

 

E o desfecho é a morte (but you leave on time, leave on time, dead on time / You’re Dead – mas você sai na hora, sai na hora, morto na hora / Você está morto). E temos também a ótima Let Me Entertain You, que é um convite de Mercury ao mundo do Queen. Sofisticação, glamour, ousadia e provocação são características que o Queen pode oferecer ao seu público.

 

 

 

Para finalizar, vamos falar sobre o outro grande sucesso do álbum, provavelmente o maior de todos: “Don’t Stop Me Now”. Essa música é uma ode à liberdade e à euforia. Freddie alcançou mais um grande êxito, expressando, desta vez, muito de sua vontade de viver (ou como ele vivia – I’m burning through the sky, yeah! / Two hundred degrees / That’s why they call me Mister Fahrenheit). É um eterno Carpe Diem. Acredito que qualquer pessoa, fã ou não, se sente compelida a sair dançando quando essa música toca. Ela beira a perfeição, ou será que é perfeita? O que vocês acham, por favor?

Jazz é isso. Um álbum que, pela capa, nos promete algo e nos entrega tudo o que não esperávamos. Desde uma canção cultural e espiritual que não tem nada de jazz até uma ode à liberdade e ao triunfo pessoal. Viva o Queen! 🎶👑✨

 

Caso tenha interesse, leia as publicações do Renato Gurgel sobre os álbuns anteriores:

 

 

 

“News of the World”: O Álbum que Desafiou a Própria Genialidade do Queen – Por Renato Gurgel

Cláudia Falci

Sou uma professora de biologia carioca apaixonada pela banda desde 1984. Tenho três filhos, e dois deles também gostam do Queen! Em 1985 tive o privilégio de assistir a banda ao vivo com o saudoso Freddie Mercury. Em 2008 e 2015 repeti a dose somente para ver Roger e Brian atuando. Através do Queen fiz (e continuo fazendo) amigos por todo o Brasil!

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