Revista Rolling Stone Brasil Ed. 95: “Queen – Eterna Majestade”

Teatral, bombástico, brilhante: nunca mais existiu outra banda como o Queen ou um frontman como Freddie Mercury

por Mikal Gilmore

Rolling Stone - Edição 95 - 2014
Rolling Stone – Edição 95 – 2014

Foi um renascimento inesperado. No instante em que Freddie Mercury e os outros integrantes do Queen – o guitarrista Brian May, o baterista Roger Taylor e o baixista John Deacon – subiram ao palco do Estádio de Wembley, em Londres, em 13 de julho de 1985 para o histórico show do Live Aid, a banda ganhou o dia. Mercury se posicionou ao piano e tocou a bela e exótica “Bohemian Rhapsody”, com a banda trovejando atrás dele em um andamento majestoso. O público de 72 mil pessoas cantou a letra em uníssono como se tivesse esperado por aquilo a vida inteira. Depois, o vocalista agarrou o pedestal do microfone enquanto os companheiros tocavam “Radio Ga Ga”. A multidão reagiu com um gesto coletivo, batendo palmas acima da cabeça e cerrando os punhos enquanto Mercury os agitava poderosamente. Algumas pessoas acharam assustadora a visão daquele movimento espontâneo da massa, como uma maré humana. Era muita potência, tudo sob o comando de uma banda e uma voz. O fato de o Queen conseguir isso espantou a todos. Naquele momento, a banda parecia já estar chegando ao fim.

Depois do épico A Night at the Opera (1975), o quarteto tinha lançado sucesso atrás de sucesso em formatos estilisticamente diversificados: do pop barroco ao rock pesado, rockabilly e funk. Então, em meados dos anos 1980, o destino havia mudado – em parte porque muitos fãs tinham dificuldade em aceitar a aparente homossexualidade de Mercury. Depois de um erro de julgamento em 1984, quando o Queen decidiu fazer uma série de shows em uma África do Sul marcada pelo apartheid, o grupo parecia ter se tornado uma espécie de pária até em sua Inglaterra natal. Mas, depois do Live Aid – que exemplificou tudo o que era extraordinário no Queen, a abrangência, o virtuosismo, o domínio de palco –, todos só queriam mais. Anos mais tarde, May disse: “Aquilo aconteceu graças ao Freddie. O restante de nós tocou bem, mas ele entrou e levou as coisas para outro nível”.

Hoje, quase 23 anos depois da morte de Freddie Mercury devido a uma broncopneumonia relacionada à aids, o legado do Queen como uma das maiores e mais polêmicas bandas do rock continua inseparável do vocalista. Quando Taylor e May falam sobre os anos com Mercury (Deacon se recusa a comentar), às vezes parece que ainda estão espantados com como aquilo tudo foi maravilhoso – e, ao mesmo tempo, horrível. “Éramos próximos como banda”, afirmou Taylor dias após a morte do cantor. “Só que mesmo assim não sabíamos tudo sobre Freddie.”

Nos primeiros anos do Queen, persistiu a lenda de que a banda tinha passado um ano ou dois mapeando estratagemas antes que qualquer pessoa pudesse ouvir a música deles. Para Mercury, não havia plano B. May, Taylor e Deacon poderiam recorrer à carreira acadêmica, embora o cantor tenha convencido os integrantes de que valia a pena abdicar de qualquer outra carreira.

Quando o quarteto lançou Queen, o álbum de estreia, em julho de 1973, o material já parecia velho para os integrantes. Mercury não tinha paciência para improvisos ou caprichos. Ele acreditava que se você quisesse que as pessoas ouvissem o seu trabalho, tinha que fazê-lo memorável – e que a aparência, como se vestir e se mexer no palco, era igualmente importante. Com as unhas negras, macacões de arlequim e mantos com asas de anjo que acentuavam seus movimentos atléticos e circulantes nos shows, Mercury se banhava de um esplendor andrógino. Esses atributos eram parecidos com o estilo forjado na época por David Bowie, T. Rex, Roxy Music e Mott the Hoople – e isso, para a banda, era preocupante. “Gostávamos do rock glam antes de aparecerem o Sweet e o David Bowie”, May disse na época, “e agora estamos encucados, porque podemos ter chegado tarde demais”.

O tempo passou e, com os dois álbuns seguintes, Queen II e Sheer Heart Attack (ambos de 1974), o Queen evoluiu com sucesso. A banda estabeleceu as bases para o som extravagante e complexo que marcou o primeiro período triunfante do grupo. No palco, Mercury era o ponto focal. A imprensa britânica odiou os maneirismos debochados e teatrais do cantor, mas ele estava construindo um laço poderoso e incomum entre a banda e o público. “O que você precisa entender”, ele disse certa vez a outro cantor, “é que minha voz vem da energia da plateia. Quanto melhor ela for, melhor eu fico.”

Enquanto gravava o quarto disco, A Night at the Opera (1975), Mercury revelou planos para uma faixa épica. O produtor Roy Thomas Baker contou a história sobre a primeira vez em que ouviu “Bohemian Rhapsody”: “Freddie estava sentado no apartamento dele e falou: ‘Tenho uma ideia para uma música’. Então, começou a tocá-la no piano… e, de repente, parou e disse: ‘Queridos, aqui é onde a parte de ópera entra’”. Do trecho de balada na abertura, a música ascendia em uma opereta, virava um rock intenso e voltava para uma balada. Quando “Bohemian Rhapsody” ficou pronta, a banda quis que ela fosse o primeiro single de A Night at the Opera. John Reid, empresário do Queen na época, exigia que a faixa de quase seis minutos de duração fosse editada. Deacon também achava isso, mas Taylor e May compartilhavam da determinação do vocalista. Qualquer dúvida foi eliminada quando Mercury e Taylor tocaram a gravação final para Kenny Everett, radialista da BBC, que ajudou a divulgá-la. Assim, “Bohemian Rhapsody” se tornou o primeiro single do Queen a alcançar o topo da parada britânica. Também chegou ao Top 10 nos Estados Unidos. Mercury não tinha paciência com quem lhe perguntava sobre o significado da música; é possível que a faixa tenha algo que seu criador ainda não estivesse pronto para divulgar. “As letras de Freddie eram veladas”, May afirmou mais tarde. “Mas dava para perceber, mesmo em pequenos vislumbres, que muitos dos pensamentos particulares dele estavam ali.”

Mercury protegia ferozmente a intimidade, porque ele sentia que precisava ser assim. Durante um tempo, ele manteve um relacionamento passional com Mary Austin, uma jovem glamourosa que conheceu no circuito de moda em Londres. “Ele achava que gostava de mulheres”, um conhecido de Mercury dos tempos de colégio disse à biógrafa Lesley-Ann Jones. “Levou um tempo para ele perceber que era gay… eu acho que ele não conseguia enfrentar os sentimentos que isso causava nele internamente.”

Então, na época do lançamento de A Day at the Races (1976), o cantor começou a agir de forma estranha com a namorada, Mary. “Dava para ver que ele se sentia mal com relação a algo”, ela disse no documentário Freddie Mercury, The Untold Story. Finalmente, Mercury conseguiu contar a ela sobre sua nova compreensão de si mesmo. “Foi um alívio ouvir aquilo dele próprio”, afirmou. Mercury continuaria próximo da amiga pelo resto de sua vida, contratando-a como secretária pessoal e conselheira. Até referia-se a ela como esposa. O fato é que, a partir daquele momento, ele não sentiu obrigação de explicar sua sexualidade a ninguém.

Você continua lendo esta matéria na edição 95 da Rolling Stone Brasil, Agosto/2014.

Fonte: http://rollingstone.uol.com.br

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