Uma Rainha em Buenos Aires !
Parte 01/02
Queen substitui Lynda Carter – A Mulher Maravilha.
Abaixo, um relatório de 42 anos depois do Queen na Argentina, uma visita que trouxe um show inédito e mudou a forma de produzir espetáculos musicais …
Linda Carter
O início –
A imagem tinha algo de surreal, um encontro inesperado entre dois universos distantes. Mas lá estava.
Naquele Fevereiro de 1981, o Vélez Sarsfield Club anunciava com um enorme cartaz que as festividades do Carnaval daquele ano estariam à cargo de Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor.
Naquela época, os clubes esportivos comemoravam os dias de Carnaval em grande estilo, com bailes e shows de artistas locais populares. Às vezes podia aparecer um internacional como Joan Manuel Serrat ou Roberto Carlos. Mas isso foi muito além.
Há 42 anos o Queen desembarcou na Argentina. A chegada de uma Banda internacional de rock de estádio era algo tão novo no país que ninguém sabia direito como enquadrar. É que também não havia precedente, nada comparado à magnitude do Queen, que estava no auge da popularidade e se destacava como uma das Bandas mais enfáticas na parafernália de shows ao vivo.
The Game Tour – que também teve paradas no Brasil, Venezuela e México – chegou com uma estrutura de sete grades de luz, 36 baffles e um palco de 20 metros de comprimento por 12 metros de profundidade.
Para a Argentina foi como se uma nave espacial tivesse pousado !!!
Para os britânicos, significava a abertura de um novo mercado. Até então, as Bandas de rock anglo-saxônicas não se interessavam pela América do Sul, acreditavam que era um território inóspito, impensável em termos de custos e benefícios.
Desde o início, o Queen teve a ousadia de apontar para terrenos inexplorados, sendo o Japão o caso mais paradigmático e bem sucedido. Mas isso tinha algo mais arriscado – uma região do 3° mundo da qual nada se sabia além do futebol, e que vivia sob regimes militares.
Para eles foi como Cristóvão Colombo quando saiu de Cádiz e descobriu a América. Eles vieram para as Índias, diz Javier Coqui Capalbo, filho de Alfredo Capalbo, produtor responsável pelos shows do Queen na Argentina, falecido em 2014 em diálogo com La Agenda.
Naquela época, Coqui tinha 23 anos e trabalhava como mão de obra de mãos dadas com o pai. Esteve presente desde o primeiro momento em que se discutiu a possibilidade da chegada dos ingleses.
Paul Prenter – Javier Capalbo – Freddie Mercury
Como foi a negociação ?
Em meados da década de 80, Alfredo e Javier viajaram para Los Angeles com o objetivo de fechar um contrato com Lynda Carter, atriz de Mulher-Maravilha, mas algo deu errado.
Na reunião, o empresário diz – ‘Estamos felizes em ir para a América do Sul, porque Lynda está lançando um novo disco.’ E meu velho diz: ‘Como?! Ela não se veste de Mulher Maravilha? E ele responde: ‘Nãooo, Lynda canta agora’. Meu velho quase jogou da sacada o intermediário que nos fez ir para Los Angeles, diz Coqui.
No entanto, o que poderia ter sido uma viagem frustrada acabou em uma oportunidade.
Lá em Los Angeles, Capalbo conversou com José Ángel Beco Rota, histórico produtor musical argentino que vivia nos Estados Unidos na época, e o convidou para um encontro com Jim Beach, empresário do Queen, e Howard Rose, promotor da Banda britânica na turnê nos Estados Unidos.
Aquela foi a primeira reunião em que surgiu o assunto de uma possível visita, recorda Coqui.
Para ter certeza de que estavam lidando com pessoas sérias, Jim Beach verificou os antecedentes de Capalbo. Naquela época, ele era um dos principais produtores de shows ao vivo do país. Mas nada que ele tenha feito se compara à produção do Queen.
Fechado o contrato para trazer o Queen, a produção do complexo teve que ser iniciada.
Como foi a organização ?
Para isso, a Banda contratou Gerry Stickells, um dos mais importantes tour managers da história do rock, que veio ao país em 1980 para fazer um avanço nos cenários possíveis. Graças à Copa do Mundo de 1978, os estádios do país estavam como novos, mas eles não tinham o que era preciso para um show de rock. O maior problema era a demanda extremamente alta de eletricidade que o show exigia.
Os dirigentes do estádio não entenderam nada disso. Quando eu chegava ao cara com os planos e requisitos de energia, a resposta constante era: ‘Diga ao ianque que ele é louco’, diz Javier Capalbo.
Para resolver o problema, eles tiveram que alugar um cabo de 100 metros da então empresa pública Servicios Eléctricos del Gran Buenos Aires (Segba) que ia das subestações de energia dos estádios até o palco.
Outra questão a resolver foi a montagem do palco.
Nunca havia feito um cenário como esse aqui na história. Fomos à uma empresa chamada Acrow, que fazia estruturas tubulares e demorava 20 dias para fazer cada etapa, lembra Capalbo.
Se levarmos em conta que três shows foram agendados em Vélez (28 de Fevereiro e 1º de Março), um no estádio Mundialista de Mar del Plata (4 de Março) e outro no Gigante de Arroyito de Rosario (6 de Março), foi necessário organizar a montagem de três cenários em paralelo.
Entretanto, teve de chegar todo o equipamento de iluminação e som, cuja logística incluiu dois aviões Jumbo 747 vindos do Japão (etapa anterior de tour The Game) e um navio vindo de Los Angeles.
As exigências do Queen
Foi notável o embate entre a profissionalidade da equipe do Queen e a desorganização instalada nas produções argentinas.
Os ingleses chegaram com um manual de instruções que continha desde frases em espanhol até como tratar a equipe técnica.
Aqui não era costume dar nada aos protagonistas, nem catering nem nada. E estes caíram e nos impuseram horários fixos de descanso e refeições. Dissemos: ‘Como? Tudo isso pelos negócios ?’, – conta Coqui.
Vejam aqui um exemplo –
Era verão e no livro havia um item que era protetor solar. Não entendíamos e eles nos explicaram: temos 40 pessoas trabalhando, se eles não passam protetor solar, ficam com bolhas no corpo e amanhã temos que sair procurando mais 40 pessoas e ensinar o que já havíamos ensinado . Eles estavam dez passos à frente …
O profissional Jim ‘ Miami ‘Beach
O bom relacionamento de Alfredo Capalbo com o governo militar fez com que as autoridades não atrapalhassem a organização e realização do espetáculo.
Não houve pressão contra, pelo contrário, mais facilitaram do que complicaram, diz Coqui.
Jim Beach contou no documentário Days of Our Lives (2011) que ele mesmo negociou com os militares:
Eles me disseram ‘Como posso permitir que 50.000 jovens vão à um estádio, onde não posso controlá-los? O que acontece se alguém gritar ‘Viva Perón’ no meio de um show do Queen e começar um tumulto?” Tentei explicar à eles que, assim como as lutas de gladiadores em Roma, isso era uma panaceia para o povo. Eles nunca tiveram nada parecido antes. E isso seria uma experiência extraordinária.
Continua …
Fonte – laagenda.buenosaires.gob.ar – Por Ilan Kazez
Dica do grupo Dear Queen