O que fazer depois de duas obras-primas? Qualquer artista poderia se acomodar e seguir a receita de sucesso, mas não o Queen. Após lançar duas pancadas antológicas, eles decidiram se reinventar. E assim nasceu um álbum que marcaria época: News of the World.
As Pancadas Antológicas
O álbum começa com duas músicas que se tornaram verdadeiros hinos: We Will Rock You e We Are The Champions. Quem nunca ouviu essas faixas em eventos esportivos? Elas figuram no top 10 das músicas mais tocadas da banda em todo o mundo e são presença constante nas rádios. O mais surpreendente? We Will Rock You não utiliza nenhum instrumento além de tábuas, pés, palmas e a icônica Red Special de Brian May. Já We Are The Champions é daquelas músicas que nos fazem enfrentar qualquer desafio com vontade de vencer.
Quebrando Barreiras
Após essas duas canções marcantes, o Queen não se contentou em seguir o óbvio. Com espírito punk e energia, Roger Taylor nos presenteou com Sheer Heart Attack. Essa faixa, que poderia ter saído diretamente do álbum homônimo de 1974, mostra um lado inesperado da banda. Anos antes, eles haviam gravado a divertida Seaside Rendezvous, mas agora era hora de um ataque cardíaco sonoro. A vontade que tenho ao ouvir essa música? Pular e mexer o esqueleto. A energia é simplesmente sublime.
E que tal Get Down, Make Love? Ela foge completamente do som que o Queen havia apresentado até então, mas ao mesmo tempo é a cara deles quebrando paradigmas. Confesso que, nas primeiras audições, me perguntei sobre o propósito dessa gravação. Com o tempo, percebi que essa ousadia faz parte das camadas musicais da banda. Eles não se apegavam a fórmulas prontas. A música é explicitamente sensual e pura diversão.
Além do Rock’n’Roll
John Deacon também contribuiu com Who Needs You, trazendo um som caribenho que mostrava que o Queen não se limitava ao bom e velho rock’n’roll. E a sátira de Brian May em Sleeping On The Sidewalk? Ela aborda a efemeridade da fama e como, de um dia para o outro, podemos ser esquecidos. Uma reflexão necessária para qualquer artista.
A Rebeldia de Fight From The Inside
A faixa Fight From The Inside é uma crítica à superficialidade e à rebeldia de fachada da época. Quantos posers se achavam rebeldes apenas pela aparência? Como cantou Jack Black no filme School of Rock: You’re not hard core unless you live hard core (Você não é Hard Core, se não vive Hard Core) . Essa mensagem continua relevante até hoje.
A Profunda Reflexão de All Dead, All Dead
Por fim, All Dead, All Dead nos leva a uma reflexão profunda. Brian May, em seu estilo característico, não fala de relações humanas, mas sim da perda de seu gato de estimação. A vida é efêmera, mas continua para quem fica. Vale a pena conferir a versão híbrida com Freddie Mercury e Brian May nos vocais, disponível no YouTube. Ouça Freddie cantando: Memories, memories, how long can you stay to haunt my days.”Uma pequena alteração na letra, mas uma grande emoção.
As Joias Escondidas de News of the World
Chegamos às três canções que mais amo nessa obra-prima chamada News of the World. Por onde começar? Bem, vou mergulhar em cada uma delas com entusiasmo.
My Melancholy Blues
Para entender essa canção, precisamos de um pequeno contexto. O blues, por sua própria natureza, é uma expressão de lamento. Seu tema central gira em torno da perda de um amor, de um emprego perdido ou da morte de alguém querido (já ouviram St James Infirmary? – I went down to St. James Infirmary / Saw my baby there / She was stretched out on a long, white table / So cold, so sweet, so fair).
E então, temos Freddie Mercury nos entregando um eu lírico imerso na melancolia. Ele lamenta sua solidão, sua tristeza e um amor perdido (My baby left me for somebody new). E o que ele quer? Não falar sobre isso. Ele só quer se embriagar com sua bebida favorita (I don’t wanna talk about it / Want to forget about it / Wanna be intoxicated with that special brew). Quando ouço essa canção, imagino um bar, qualquer bar, com um pianista solitário tocando e desabafando suas mágoas. É uma viagem completa ao mundo da tristeza.
It’s Late
Brian May nos presenteia com mais uma de suas mensagens profundas sobre relacionamentos e decisões irreversíveis. A cadência dessa música, bem ao estilo do rock, prova que o Queen sabia como criar rock de alta qualidade. Curiosamente, It’s Late não se tornou um single (mais um single com mais de 6 minutos?). A faixa começa com a dramaticidade de um casal conversando e vai crescendo até culminar em um clímax apoteótico, com a bateria de Roger Taylor comandando o ritmo final. É uma jornada intensa e emocional.
Spread Your Wings
John Deacon, que já havia nos presentando com You’re My Best Friend, nos brinda com uma força avassaladora em Spread Your Wings. Essa balada pop nos arrebata desde os primeiros acordes de piano. A história de Sammy, preso a uma vida monótona no Emerald Bar, é uma jornada de autodescoberta e busca pela liberdade. A mensagem toca fundo na alma: podemos nos libertar das amarras, das correntes que nos prendem. Somos livres. Abramos nossas asas e voemos em busca da felicidade. Para mim, essa é uma das obras-primas da banda. E quem sabe, talvez, Deacon seja o próprio Sammy.
News of the World não foi apenas um álbum. Foi uma jornada pela genialidade e pela coragem de desafiar a própria criação. O show deve continuar, afinal.
Caso tenha interesse, leia as publicações do Renato Gurgel sobre os álbuns anteriores:
A Night At The Opera – o álbum do ‘tudo ou nada’ – Por Renato Gurgel