Menos limitações significaram que o grupo mais espalhafatoso da história pode se distanciar do glam e se estabelecer como único
O momento que uma banda atinge sua forma verdadeira é uma das coisas mais empolgantes na música. Alguns grupos podem vir ao mundo prontos, mas outros demoram um pouquinho para chegar lá. Às vezes as ideias precisam ser refinadas, os integrantes não estão acostumados a tocar juntos ou usar um estúdio de gravação. Era o caso do Queen.
Trata-se de uma das maiores bandas de todos os tempos, em termos de sucesso e megalomania. Eles queriam ser enormes desde o começo, mas a precocidade do primeiro álbum demonstrava uma banda que ainda não sabia como usar todas suas armas da maneira mais eficaz.
Essa é a história de como Freddie Mercury e cia descobriram a fórmula.
Uma estreia ultrapassada
O Queen começou suas atividades de fato em 1970, no Reino Unido, e só conseguiu lançar seu primeiro álbum três anos depois. Nesse ínterim, artistas como David Bowie, T. Rex, The Sweet e Roxy Music se tornaram estrelas na indústria musical baseados na mesma extravagância do grupo — e isso criou uma preocupação interna.
Em uma entrevista para a Melody Maker em 1973 citada no livro “A Verdadeira História do Queen”, de Mark Blake, o guitarrista Brian May afirmou:
“Fazíamos glam rock antes do Sweet e de Bowie. Nos preocupávamos com a possibilidade de havermos chegado tarde demais. Não queríamos que as pessoas pensassem que nós havíamos embarcado no mesmo trem.”
Adicione a isso o fato de ninguém estar interessado neles como os nomes citados antes. O Queen não tinha hype nenhum. Eles contrataram um especialista em relações públicas para ajudar a colocar o nome do grupo na praça, mas a tarefa se provou complicada. A imprensa achava a banda ridícula, a ponto de os acusarem de usar músicos de estúdio porque era impossível serem talentosos de verdade vestidos daquele jeito.
Entretanto, o público aos poucos aumentava graças a um contingente inusitado. A sonoridade sempre teve um quê de glamour à moda antiga, o que atraiu pessoas mais velhas para os shows deles. Havia adolescentes nas plateias, mas também donas de casa e mulheres de meia idade. Era incomum no rock até então ver uma distribuição etária assim.
O disco de estreia do grupo foi um sucesso modesto no próprio país enquanto o single “Keep Yourself Alive” sequer entrou nas paradas dos EUA ou do Reino Unido. Quando eles se aprontaram para começar a gravar o segundo álbum, em agosto de 1973, a ideia era apenas pegar tudo que funcionou no primeiro e aumentar. O título provisório, aliás, era “Over the Top”.
Maior é melhor
O Queen entrou no Trident Studios para gravar seu segundo álbum com algumas exigências: eles queriam poder trabalhar de maneira mais organizada, sem precisar utilizar as dependências apenas quando não tinha nada marcado. Além disso, o coprodutor John Anthony ficaria de fora, com Roy Thomas Baker assumindo a função sozinho a partir dali.
Inspirado por uma pintura do artista plástico vitoriano Richard Dadd chamada “The Fairy Feller’s Master-Stroke” – que influenciou a canção de mesmo nome no álbum –, Freddie Mercury instruiu Baker a deixar sua imaginação e criatividade voarem. Qualquer experimentação valia a pena. O cantor queria um álbum capaz de reproduzir a mesma beleza fantasmagórica cheia de detalhes da obra – e se isso significava aloprar, esse era o caminho.
Em entrevista à Classic Rock, Brian May falou sobre a moral do grupo na época:
“Foi como tirar a rolha da garrafa. A gente fez o primeiro disco usando qualquer horário sobrando no estúdio e foi uma bagunça, basicamente. Finalmente a gente estava lá e tinha uso total de tudo, tínhamos a chance de usar tudo como queríamos. A gente tinha mais cacife, finalmente. Trabalhamos muito interativamente com Roy. Então foi como ser um pintor pela primeira vez tendo a paleta completa para usar.”
Outra coisa que eles queriam corrigir era um erro visto por eles na hora de gravar singles. A razão identificada pelos integrantes para o fracasso radiofônico de “Keep Yourself Alive” foi como a canção demorava para explodir. A introdução era longa demais e não te pegava de cara.
O compacto seria a primeira coisa a se gravar e o escolhido precisava ser direto e marcante. A música selecionada era um velho cavalo de batalha do Queen ao vivo, “Seven Seas of Rhye”. A faixa já havia feito uma aparição no álbum de estreia como um instrumental fechando o disco, mas dessa vez serviria como cartão de visitas não só da banda como entidade comercial, mas também da estética musical deles.
Em menos de três minutos, o ouvinte é confrontado com piano clássico, guitarras orquestrais, dezenas de vocais ao mesmo tempo cantando uma narrativa que combina mitologia grega com humor chulo britânico. Era um encapsulamento perfeito do Queen. Se não desse certo como single, a banda nunca iria vingar mesmo.
O resto do álbum se desenrolou a partir daí, construído em duas partes conceituais. Brian May ficou encarregado do primeiro lado do vinil, apelidado de Branco, enquanto Mercury povoou a outra metade com suas músicas cheias de contos de fantasia e excessos.
O caminho do sucesso
Com o disco gravado, mas ainda não lançado, o Queen caiu na estrada para pagar as contas. Entretanto, a confiança no material novo era tamanha a ponto da banda escolher construir seu repertório inteiro em torno das músicas inéditas. E isso deu dividendos rápido.
Após algumas apresentações pelo Reino Unido e na Europa, eles foram recrutados para abrir uma turnê do Mott the Hoople. A banda glam havia sido resgatada da morte por David Bowie e emplacado um megahit na forma de “All the Young Dudes”, mas ficou claro durante o período na estrada que o Queen estava roubando a cena.
o livro “A Verdadeira História do Queen”, o autor Mark Blake resgatou uma declaração de Freddie Mercury sobre essa turnê:
“A oportunidade de tocar com o Mott foi excelente. Mas eu soube, desde o momento em que a turnê terminou, que — tanto quanto dependesse da vontade da Inglaterra — nós seríamos a atração principal, dali em diante.
Só tinha um problema. Esse sucesso ao vivo não estava traduzindo em vendas. “Queen” continuava por baixo nas paradas e “Keep Yourself Alive” nem aparecia nelas. Tudo isso começou a mudar em fevereiro de 1974.
Uma oportunidade surgiu de tocar no “Top of the Pops” por causa de um problema logístico que atrasou o lançamento do single “Rebel Rebel”, de David Bowie. A banda ainda não havia sequer lançado “Seven Seas of Rhye” como compacto, mas a campanha de jabá estava a pleno vapor.
Queen se apresentou no principal programa musical inglês no dia 21 de fevereiro de 1974, sua estreia oficial na TV britânica. Quatro dias depois, “Seven Seas of Rhye” foi lançada e chegou à 45ª posição nas paradas. Eles tinham um hit.
“Queen II” saiu no dia 8 de março e atingiu o 5º lugar na parada de álbuns. A banda era agora famosa. E ao longo de 1974 essa notoriedade só foi aumentando, a ponto deles se tornarem um dos maiores nomes do rock inglês ao final daquele ano.
Lançado em 8 de março de 1974 pela EMI / Elektra
Produzido por Roy Thomas Baker, Robin Geoffrey Cable e Queen
Faixas:
Procession
Father to Son
White Queen (As It Began)
Some Day One Day
The Loser in the End
Ogre Battle
The Fairy Feller’s Master-Stroke
Nevermore
The March of the Black Queen
Funny How Love Is
Seven Seas of Rhye
Músicos:
Freddie Mercury (vocais principais nas faixas 2, 3 e de 6 a 11;, backing vocals nas faixas 2, 3 4 e de 6 a 11; piano nas faixas 2 e de 7 a 11; cravo na faixa 7)
Brian May (guitarra; backing vocals nas faixas 2, 4 e de 6 a 11; violão nas faixas 2, 3, 4, 5 e 10; vocais principais na faixa 4, sinos na faixa 9, piano na faixa 2)
Roger Taylor (bateria em todas as faixas menos 8), backing vocals nas faixas 2 e de 4 a 11, vocais principais na faixa 5, vocais adicionais na faixa 9, gongo nas faixas 3 e 6, marimba na faixa 5, pandeiro nas faixas 2 e 11, percussão)
John Deacon (baixo, violão na faixa 2)
Fonte: https://igormiranda.com.br